Na ânsia de viver e ser livre, às vezes, nem bem vivemos, nem bem conhecemos o sabor da liberdade. E o livre arbítrio para fazer nossas escolhas? Ele existe. É defendido e aclamado e proclAMADO. E não há por que não usá-lo. E não há por que usá-lo para justificar nossas atitudes nada ou pouco corretas. Aí já pinta a questão dos conceitos de certo e errado, mas, sejamos sinceros, nosso coração bem sabe quando e quanto mal causou. O mundo desaba, pessoas e máscaras vão caindo e, aí, olhamos pra todos – menos para o espelho – com aquela cara de “tenho direito de fazer minhas escolhas e viver”. Claro que sim! Quem disse que não? Mas, se pararmos pra pensar, veremos que muitas dessas escolhas podem interferir mais na vida das pessoas ao nosso redor do que na nossa própria vida. Nesse ponto, pra mim, o livre arbítrio se torna egoísmo. Qualidade nata de todo e qualquer indivíduo subdesenvolvido.
Temos falado muito na tal felicidade, em encontrar alguém que nos faça feliz. Dizem que aí já começa o erro: ninguém poderá nos fazer feliz se não estivermos felizes com nós mesmos. Pode ser. Eu só sei que ninguém é feliz sozinho. Eu não sou, apesar de apreciar momentos a sós.
A aproximação entre as pessoas vai muito além de relações amorosas ou apaixonosas. Precisamos uns dos outros em várias – se não em todas – situações da vida. E eu nem to falando daquele seu melhor amigo mala ou 171 que você não larga e que também vive na sua cola e na sua casa, descolando um rango e até dando uma observada no quanto sua irmã mais nova cresceu. Nem estou me referindo àquela amiga que, mesmo fútil ou inconsequente, sabe o significado da palavra amizade.
Eu estou falando aqui dos colegas de trabalho que podem quebrar galhos quando você precisa chegar atrasado; que dão uma carona; que te enturmam quando você chega de fora; que te dão toques pra que você continue “dentro”. Falo dos vizinhos que recolhem roupas do varal quando uma chuva chega de surpresa; que recebem uma correspondência; que anotam um recado; e, por que não, emprestam aquela xícara de açúcar quando você esqueceu de comprar ou está sem grana. Falo também daquelas pessoas que estão aí em toda parte; que podem ajudar você a levantar de uma queda na rua, mesmo rindo; que dão uma informação quando você está mais perdido que cego em tiroteio; que podem ajudar a carregar alguma coisa; que podem apenas sorrir gratuitamente em um dia ruim. Não posso esquecer dos funcionários de todos os tipos de estabelecimentos que existem, eles estão ali há não sei quantas horas, de pé ou não, atendendo – leia-se, aturando – pessoas como você e eu.
Sei que desconversei um pouco, mas não foi em vão, é preciso considerar toda a gente que nos cerca pra entender quem somos no mundo: apenas mais um que, assim como tantos outros, se vira em dois ou três pra dar conta de tudo. Eu falava de livre arbítrio e egoísmo, não esqueci disso. Falei ainda sobre a felicidade, coisa sobre a qual evito falar, por considerá-la, ao mesmo tempo, simples e complexa demais; e também por não ter argumentos suficientes pra defender minhas teorias que mudam dia após dia.
Não precisava dizer tudo isso se, no fundo, eu apenas queria, de algum modo, me desculpar por todas as vezes que usei o livre arbítrio como justificativa ao magoar pessoas e interferir, até cruelmente, na vida delas; enquanto tinha plena consciência de que havia errado ou continuava errando.
Mas, já que falei, vou concluir com uma interrogação que ficará piscando aqui na minha mente: em vez de procurar alguém que nos faça feliz, por que não pensamos no quanto estamos dispostos a fazer pessoas mais felizes, usando as quatro operações matemáticas: dividindo, somando, multiplicando e diminuindo o que elas precisarem. E prefiro no gerúndio mesmo, que é a vida em ação, o modo com que o tempo conJULGA a gente.
É triste, mas, às vezes, na base do egoísmo ou da falta de coragem de se assumir, perdemos pessoas que se vão por conta daquelas escolhas que julgávamos que afetaria apenas nossa vidinha. Podemos até nos sentir “livres”, mas ficamos presos nesse tando de dor que causamos.
E daí? Daí que a gente olha pra todos, menos pro espelho, e diz: “tenho direito de fazer minhas escolhas e de viver”. Claro que sim. Jamais diria que não.
Ao final, uma oferta: estou doando todos os espelhos lá de casa, mas não sei se há tanta gente assim interessada em se olhar nos olhos.