quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O próximo...

Na ânsia de viver e ser livre, às vezes, nem bem vivemos, nem bem conhecemos o sabor da liberdade. E o livre arbítrio para fazer nossas escolhas? Ele existe. É defendido e aclamado e proclAMADO. E não há por que não usá-lo. E não há por que usá-lo para justificar nossas atitudes nada ou pouco corretas. Aí já pinta a questão dos conceitos de certo e errado, mas, sejamos sinceros, nosso coração bem sabe quando e quanto mal causou. O mundo desaba, pessoas e máscaras vão caindo e, aí, olhamos pra todos – menos para o espelho – com aquela cara de “tenho direito de fazer minhas escolhas e viver”. Claro que sim! Quem disse que não? Mas, se pararmos pra pensar, veremos que muitas dessas escolhas podem interferir mais na vida das pessoas ao nosso redor do que na nossa própria vida. Nesse ponto, pra mim, o livre arbítrio se torna egoísmo. Qualidade nata de todo e qualquer indivíduo subdesenvolvido.


Temos falado muito na tal felicidade, em encontrar alguém que nos faça feliz. Dizem que aí já começa o erro: ninguém poderá nos fazer feliz se não estivermos felizes com nós mesmos. Pode ser. Eu só sei que ninguém é feliz sozinho. Eu não sou, apesar de apreciar momentos a sós.


A aproximação entre as pessoas vai muito além de relações amorosas ou apaixonosas. Precisamos uns dos outros em várias – se não em todas – situações da vida. E eu nem to falando daquele seu melhor amigo mala ou 171 que você não larga e que também vive na sua cola e na sua casa, descolando um rango e até dando uma observada no quanto sua irmã mais nova cresceu. Nem estou me referindo àquela amiga que, mesmo fútil ou inconsequente, sabe o significado da palavra amizade.


Eu estou falando aqui dos colegas de trabalho que podem quebrar galhos quando você precisa chegar atrasado; que dão uma carona; que te enturmam quando você chega de fora; que te dão toques pra que você continue “dentro”. Falo dos vizinhos que recolhem roupas do varal quando uma chuva chega de surpresa; que recebem uma correspondência; que anotam um recado; e, por que não, emprestam aquela xícara de açúcar quando você esqueceu de comprar ou está sem grana. Falo também daquelas pessoas que estão aí em toda parte; que podem ajudar você a levantar de uma queda na rua, mesmo rindo; que dão uma informação quando você está mais perdido que cego em tiroteio; que podem ajudar a carregar alguma coisa; que podem apenas sorrir gratuitamente em um dia ruim. Não posso esquecer dos funcionários de todos os tipos de estabelecimentos que existem, eles estão ali há não sei quantas horas, de pé ou não, atendendo – leia-se, aturando – pessoas como você e eu.


Sei que desconversei um pouco, mas não foi em vão, é preciso considerar toda a gente que nos cerca pra entender quem somos no mundo: apenas mais um que, assim como tantos outros, se vira em dois ou três pra dar conta de tudo. Eu falava de livre arbítrio e egoísmo, não esqueci disso. Falei ainda sobre a felicidade, coisa sobre a qual evito falar, por considerá-la, ao mesmo tempo, simples e complexa demais; e também por não ter argumentos suficientes pra defender minhas teorias que mudam dia após dia.


Não precisava dizer tudo isso se, no fundo, eu apenas queria, de algum modo, me desculpar por todas as vezes que usei o livre arbítrio como justificativa ao magoar pessoas e interferir, até cruelmente, na vida delas; enquanto tinha plena consciência de que havia errado ou continuava errando.


Mas, já que falei, vou concluir com uma interrogação que ficará piscando aqui na minha mente: em vez de procurar alguém que nos faça feliz, por que não pensamos no quanto estamos dispostos a fazer pessoas mais felizes, usando as quatro operações matemáticas: dividindo, somando, multiplicando e diminuindo o que elas precisarem. E prefiro no gerúndio mesmo, que é a vida em ação, o modo com que o tempo conJULGA a gente.


É triste, mas, às vezes, na base do egoísmo ou da falta de coragem de se assumir, perdemos pessoas que se vão por conta daquelas escolhas que julgávamos que afetaria apenas nossa vidinha. Podemos até nos sentir “livres”, mas ficamos presos nesse tando de dor que causamos.


E daí? Daí que a gente olha pra todos, menos pro espelho, e diz: “tenho direito de fazer minhas escolhas e de viver”. Claro que sim. Jamais diria que não.


Ao final, uma oferta: estou doando todos os espelhos lá de casa, mas não sei se há tanta gente assim interessada em se olhar nos olhos.



segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Não tá morto quem peleia

Sou uma escritora desesperada por salvar suas – últimas – palavras. Tanto que, antes mesmo de me encontrar com o aterrorizador “cursor da página em branco”, procurei o atalho do teclado para salvar o que viesse a escrever. A vida bem que poderia ter desses atalhos de excluir sem mandar pra lixeira que se torna nossa mente, sempre em busca do futuro enquanto se apega ao passado.

Saí do esconderijo, da cela. Muitos, mesmo presos, estão soltos. Outros, como eu, conseguem transformar qualquer cômodo em uma prisão, até mesmo a vastidão que o horizonte alcança.

Vesti meu casaco marrom de inverno, mas já é verão; pelo menos é o que me diz o calendário. Ele tenta estabelecer contato comigo todos os dias, mas me concentro nas paisagens que os meses estampam e esqueço os números. Nunca soube lidar bem com eles.

E, por fim, como se escrever fosse um ritual, servi uma taça de vinho seco, eu nem gosto, mas foi o que sobrou de ontem. Dizem que a verdade aflora na presença do álcool e é ela que quero: a verdade. Agora estão todos presentes à minha espera.

Já posso confessar, enfim, que falhei: como mulher, como filha, como profissional, aliás, como empregada – ou melhor, colaboradora –, como amiga, como colega, como namorada, como estudante, como ser humano, como sonhadora, e em todas as demais funções que os meus vinte e seis anos assumiram.

Eu fracassei, passei da conta.

Quando comecei a última caminhada, nem deixei grãos ou fitas no caminho para poder voltar caso me perdesse. Eu estava certa de que isso não iria acontecer. Também, as aves poderiam ter comido os grãos e as fitas desbotariam ou quem sabe teriam maior serventia para outra pessoa que por ali passasse. O fato de não deixar rastros tinha muito mais a ver com não querer ser seguida do que com o medo de ter de voltar. Eu quis, sim, deixar tudo pra trás e vi que, ao não olhar pra trás, acabei não vendo a bagagem que estava carregando sobre minhas costas. Então, nada tinha ficado no passado, estava tudo ali tão perto quanto antes de eu partir.

Fui confiante, com uma felicidade rara – do tipo temporária, falsa, mas otimista, coisa que nunca fui. Afinal, não é todo ano que começa com uma formatura depois de quatro anos de suados pagamentos. Nem que se inicia num trabalho novo, na área em que se estudou, com um salário razoável, e em uma empresa promissora. Sem contar em realizar o tão sonhado “morar sozinha”. Quantos anos mesmo eu tinha? Não faz tanto tempo assim, mas parece que sim.

Foi lá nessa cidade ou nessa idade que conheci alguém muito especial, daqueles que o coração vê primeiro, antes dos olhos – porque os olhos, meus amigos, enganam muito.

O computador travou, o vinho está no final e eu também – travei e estou no final.

Reinicio, deixo a taça mais meio cheia do que meio vazia e sinto inveja dela.

Volto ao texto, à história. Onde foi que eu parei? Este foi o primeiro erro: eu não parei.

E aí vieram outros erros e algumas percepções: deixei de lado a família e os amigos também; podemos errar na escolha da área de atuação; o salário razoável se tornou menor que o necessário; dividir apartamento não é morar sozinha; de que adianta ser promissora se as portas não são igualmente abertas pra todos? São as atitudes que tornam as pessoas especiais ou apenas o que sentimos por elas ou ainda o medo de perdê-las?

É, eu tinha vinte e quatro. Uma menina.

Fiquei quase um ano carregando aquela bagagem que achei que tivesse deixado no passado e que estava aumentando a cada dia enquanto eu me fazia de forte até cair física e psicologicamente. Embora eu custasse a acreditar que meus problemas tinham um fundo absolutamente psíquico. Neguei pra todos e o fiz porque consegui me enganar por muito tempo.

Perdi a conta de quantos médicos conheci, quantas vezes fui atendida nos hospitais, quanto gastei em remédios, quanto meus olhos suplicavam ajuda, quanto tempo perdi caminhando sozinha em busca de um diagnóstico aceitável pra mim.

Perdi minha paz, meu descanso, minhas férias, meu sossego e o sono. Coisas que nem o dinheiro que perdi poderiam comprar.

Larguei tudo: planos, especialização, inglês, pessoas, projetos, sonhos...

Passei longos dias no escuro do meu quarto sem querer que o outro dia chegasse. Não era vontade de morrer, mas também não era uma forma de viver. O tempo é mais teimoso do que eu. Ele insiste em chegar e passar.

Quando tento me reerguer, mais um golpe. Nada de inesperado. Capítulo sobre o qual não pretendo/posso/quero/consigo/preciso falar. Saber que algo irá acontecer não é o suficiente para nos prepararmos.

E agora, depois de tanta coisa chorada amargamente, de tantos diálogos ensaiados, tanto desespero, eu estou tentando me arriscar novamente. Não com aquela felicidade rara de 2010, apenas com a consciência limpa de quem deve e quer seguir.

Tenho medo sim, mas estou procurando o que há de melhor em mim e é isso que quero deixar para as pessoas que amo. Mas apenas poderei deixar o meu melhor se eu encontrá-lo e se compartilhá-lo. E, para fazer isso, é preciso estar com essas pessoas que digo amar, as que são especiais pelas atitudes, pelo o que sinto por elas e, sim, pelo medo que tenho de perdê-las.

Eu sou uma escritora desesperada por salvar suas – últimas – palavras. E aqui a ambiguidade me salva. Quero guardar sim o último riso ou choro; as palavras finais, não pra saber o que foi dito, mas para lembrar da voz de quem as disse.

Assim encerro com mais um atalho do teclado. A vida não tem desses, e nem a morte é capaz de nos excluir definitivamente.